sexta-feira, 28 de julho de 2017

Lançamento da candidatura a Ponta Delgada

Discurso de José Azevedo,
(proferido no Moinho de Vento da Tia Faleira, na Fajã de Cima, dia 28 de julho de 2017)

Obrigado pela vossa presença.
Escolhemos este moinho de vento para fazer a apresentação da nossa candidatura porque ele materializa muitas das nossas motivações e proporciona inspiração para muitas das nossas propostas.

Motivação 
Este lugar proporciona uma excelente vista sobre o concelho de Ponta Delgada. Daqui se tem uma perceção do contraste entre o urbano e a ruralidade que caracteriza este concelho. Alguns verão a beleza de uma paisagem verde, com os campos recortados estendendo-se até ao azul do mar. Outros lembrar-se-ão que estas pastagens suportam uma produção industrial de laticínios correspondente a 1/3 da produção nacional. Saberão até que produzir mensalmente 30 milhões de litros de leite numa ilha requer a importação da maior parte dos fatores de produção (das rações para o gado às sementes e fertilizantes,passando pelo combustível para os tratores e carrinhas). E terão com certeza ouvido as queixas dos lavradores sobre os baixos preços do leite e a situação desesperada de muitos, vergados ao peso dos juros dos empréstimos e à incerteza dos subsídios. Ali para oeste, a Lagoa das Sete Cidades sofreu com as alterações do uso dos solos e com a utilização intensiva de fertilizantes, tendo apenas escapado de agonizar sob os efeitos da eutrofização (como a Lagoa das Furnas) por ter uma bacia hidrográfica menor e terem sido feitas a tempo intervenções de desvio para o mar de caudais contaminados.
Uma motivação desta candidatura, apresentada como é num concelho com uma componente rural importante, é portanto defender um modelo de agricultura extensiva, diversificada e com capacidade de suprir grande parte do mercado local. Uma capacidade exportadora de produtos de alto valor acrescentado deve igualmente contribuir para um sector agrícola suficientemente rentável para assegurar uma vida digna a quem dela depende.
Este moinho é uma testemunha de uma vida comunitária que alguns mais velhos ainda recordam, e que entendemos ser necessário recuperar. Com plena consciência da dureza da vida no tempo em que este equipamento foi construído, notamos no entanto o contraste com o ênfase atual no individualismo e na competição. Entendemos ser necessário mudar este paradigma, e sabemos que é precisamente ao nível local que é possível criar ou fortalecer os laços entre as pessoas, apoiando o associativismo e a gestão partilhada de recursos.
Para construir este moinho foi necessária a intervenção de várias pessoas, cada uma com o seu saber, como canteiros, pedreiros, carpinteiros e pintores. Depois de pronto, o moleiro era mais um elemento ao serviço da comunidade, numa altura em que a auto-suficiência era uma imposição e não uma escolha. Esta imagem de mestres e negócios locais liga-se a outra das motivações do LIVRE para concorrer a estas eleições: a necessidade de proteger e fortalecer as pequenas e médias empresas locais, de forma a proporcionar rendimento e realização pessoal à faixa da população dedicada ao comércio, à indústria e aos serviços. Ao domínio das grandes cadeias de distribuição e dos franchisings,motiva-nos a defesa da produção e comércio locais e do emprego de qualidade.

Propostas
- Criação de uma moeda local com o duplo papel de reduzir as desigualdades sociais e potenciar a produção e o comércio locais.
- Participação : Institucionalização de mecanismos de democracia deliberativa a utilizar para todos os projetos estruturantes do concelho.

Motivação 
As velas infelizmente não visíveis deste moinho eram uma forma de captar energia eólica, num tempo em que todas as fontes de energia eram renováveis.Quando foi construído, a concentração de dióxido de carbono no ar era de 280ppm, mas desde o séc. XX que essa concentração tem vindo a subir exponencialmente graças ao uso crescente dos mesmos motores de combustão interna que fizeram o Moinho da Tia Faleira cair em desuso. Em 1989 a Terra registou pela última vez 350 ppm de CO2, a concentração julgada segura para o equilíbrio climático do planeta. Em setembro do ano passado ultrapassámos permanentemente os 400 ppm (a medição de hoje em Mauna Loa foi de 408ppm), uma concentração que a espécie humana nunca encontrou na sua história,e que o planeta viu pela última vez há 4 milhões de anos.
Os melhores cientistas climáticos do planeta, reunidos pelas Nações Unidas, avisam: precisamos de começar a descer a produção de CO2 a partir de 2020(NESTE mandato!) se queremos ter uma probabilidade de 50% de evitar uma catástrofe climática. Uma região conhecida pela sua beleza natural não pode passar ao lado do desafio planetário da descarbonização, e o concelho de Ponta Delgada deve dar o exemplo. Motiva-nos contribuir para uma causa global desta magnitude, porque sabemos que ao fazê-lo estamos simultaneamente a contribuir de forma significativa para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes do concelho.

Propostas
- Reforço significativo dos transportes coletivos, com uma rede e horáriosque sirvam de facto os cidadãos, desincentivando o uso de viatura própria.Deslocar o estacionamento para a periferia dos centros urbanos.
- Equipar toda a frota municipal e todos os transportes coletivos commotores elétricos.
- Criação de amplas zonas pedonais nos centros urbanos, com bicicletas partilhadas.
- Democratizar o acesso à produção de energia elétrica, através doincentivo à formação de cooperativas de produtores.

Motivação 
Este moinho foi feito para durar, com a melhor tecnologia e os melhores materiais disponíveis na altura. Quando tinha sede, o moleiro bebia de uma caneca de barro que enchia num talhão do mesmo material, trazido ao lombo de um burro desde o fontanário da freguesia da Fajã de Cima. Os restos da comida dava-os aos gatos que mantinha para afastar os ratos dos sacos de serapilheira onde o milho chegava e a farinha partia. Não havia problemas de resíduos, no século XIX. Hoje, infelizmente, uma cultura de usar e deitar fora produz só em Ponta Delgada 70.000 toneladas de “lixo”, um terço do qual é constituído por matéria orgânica compostável e outro terço por materiais potencialmente reutilizáveis e recicláveis. A presente candidatura é apresentada para acrescentar uma voz contra a construção de uma incineradora gigantesca, que vai impedir qualquer intervenção que vise repor padrões de consumo mais respeitadores dos recursos naturais do planeta e da saúde das pessoas.

Propostas
- Reverter a privatização da gestão dos resíduos, democratizar a gestão daAMISM.
- Reforço do sistema de recolha porta-a-porta, com adoção de um sistema“pague-o-que-produzir” para desincentivar a produção de resíduosindiferenciados.
- Regresso da venda a granel, mobilização dos cidadãos para a separação seletiva (incluindo compostores comunitários) e potenciação de uma redede empresas nas áreas da reutilização de embalagens e da reciclagem.

Finalmente, não posso deixar de utilizar este moinho para realçar o caráter quixotesco desta candidatura. Mas em vez de conjurar lutas com gigantes, prefiro citar António Gedeão que, a propósito desta mesma cena de Cervantes, escreve:
“Os meus olhos são uns olhos
e é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.”
Vemos grandes escolhos no caminho para o desenvolvimento sustentável e solidário doconcelho de Ponta Delgada. Mas sabemos que há um número crescente de cidadãos que se apercebem desses escolhos e que têm vontade de contribuir para que se mude de rumo. Estamos aqui para os mobilizar, para lhes dar voz. Apelamos à energia criativa de todos os que anseiam por um concelho progressista, solidário, com uma economia local vibrante e motivadora, e na linha da frente da sustentabilidade e regeneração ecológica.

Obrigado.