sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
Aplicação de herbicidas na via pública: um mal necessário?
Os produtos fitofarmacêuticos são uma ferramenta importante para qualquer agricultor profissional pois permitem combater pragas e doenças que atacam as culturas e que, se não forem travadas, podem destruir por completo os produtos agrícolas. Mesmo na agricultura biológica, certos produtos fitofarmacêuticos podem ser utilizados na ajuda à produção.
Contudo, a sua utilização segura tem de respeitar regras, já escritas na lei 26/2013, de modo a preservar o meio ambiente e a saúde de seres humanos e animais. Além disso, o produto é o último degrau que deve ser subido na protecção de uma cultura, sendo que, antes da sua aplicação, existem muitas medidas preventivas que o agricultor tem de tomar, quer seja na escolha do local para a plantação de uma certa espécie ou na definição do espaçamento entre plantas, por exemplo. E se, é mais ou menos fácil de entender a necessidade de recorrer a produtos fitofarmacêuticos na agricultura, a aplicação de herbicidas em espaços públicos já me parece bastante questionável.
Depois de vários meses de chuva na ilha do Faial, eis que chegam dois dias seguidos de sol e, com eles de mão dada, a vontade da Câmara Municipal da Horta incubir os seus funcionários de “sulfatar” as ruas da cidade. E ainda antes de percebermos se é legítimo ou não aplicar herbicidas em espaços públicos, a forma despreocupada como se aplicam estes produtos é, no mínimo, assustador.
Em primeiro lugar, os funcionários que estão a pulverizar pavimentos não têm qualquer tipo de equipamento de protecção individual, pondo desde logo em perigo a sua própria saúde. Além disso, a sua formação deve ser escassa, já que na pausa das 9 da manhã, levam os dedos à boca para assobiarem ao colega, a chamá-lo para irem todos beber o seu café (ou mini, de acordo com os gostos). Ou seja, a substância que estão a pulverizar, além de estar nas suas roupas e mãos e boca, passa a estar no balcão da pastelaria onde são servidas refeições e bebidas.
Em segundo lugar, não existe qualquer sinalização ou limitação de circulação nos espaços onde estão a ser aplicados estes produtos, pondo em risco a saúde de todos os que por ali passam, incluindo uma criança que cai e leva as mãos à boca ou mesmo animais de estimação que vão farejando o chão que pisam.
Por fim, se quem doseou as quantidades do produto utilizado não sabe o que está a fazer, pode estar a pôr em perigo o próprio meio ambiente, nas mais diversas formas.
Numa altura em que se aperta o cerco a aplicadores de produtos farmacêuticos, não deveriam ser as instituições públicas as primeiras a dar o exemplo?
No dia 29 de Janeiro, segundo dia de aplicação, questionei a Câmara Municipal da Horta, na qualidade de cidadão açoriano, sobre que tipo de produto estava a ser aplicado e alertando para os perigos de se aplicarem produtos tóxicos da forma como o estão a fazer. Coloquei em conhecimento a Secretaria Regional da Saúde, a Secretaria Regional da Agricultura e Ambiente, os Serviços de Desenvolvimento Agrário do Faial e a Quercus, através do seu Núcleo Regional em S. Miguel. Até à data, apenas a Direcção Regional de Saúde deu resposta, incutindo a Delegação de Saúde da Horta de tomar as devidas medidas.
Relativamente à necessidade de aplicação de herbicidas em espaços públicos, a Quercus deixa no seu sítio da internet algumas sugestões alternativas, havendo já duas freguesias açorianas que optaram por não usar estes produtos no combate às infestantes.
O Arquipélago tem um património natural imensurável e temos de exigir às Câmaras Municipais açorianas mais cuidado com a nossa saúde e com a do meio ambiente, caso contrário, seremos todos responsáveis, pela via do silêncio.
domingo, 7 de fevereiro de 2016
Para melhor, está bem. Para pior, já basta assim.
O mês de Janeiro terminou com a primeira ronda de
reuniões entre o Governo Regional dos Açores e os partidos políticos, sobre o
processo de revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Esta ideia já tinha sido lançada, no ano passado,
pelo Presidente do Governo Regional no seu discurso
aquando das celebrações do Dia da Região, onde apresentou 3 pontos essenciais
para discussão e revisão:
1. Composição
da Assembleia abrindo a possibilidade de haver candidaturas subscritas por
listas de cidadãos independentes à Assembleia Legislativa da Região, bem como um
sistema de listas abertas;
2. Organização
administrativa apresentando uma alteração às competências dos Conselhos de
Ilha, que passariam a ter poderes executivos;
3. Modelo
constitucional da nossa Autonomia onde é defendida, claramente, a extinção
da figura do Representante da República, sendo considerada a possibilidade se
vir a criar um outro órgão regional em sua substituição.
Destes três pontos, e tendo em conta o que tem saído
nos jornais, os partidos que foram ouvidos até ao momento e que são os mesmos
que têm assento parlamentar, apenas comentam a extinção da figura do
Representante da República e a transformação dos Conselhos de Ilha em “Governos
de Ilha”, sendo que sobre este último referem unicamente que são contra. Até ao
momento, apenas o PPM se manifestou a favor da possibilidade de haver listas
eleitorais subscritas por cidadãos independentes e do sistema de listas
abertas.
Relativamente ao primeiro ponto, devo saudar entusiasticamente
a intenção de abrir as candidaturas a listas de cidadão independentes. Apesar
de esta possibilidade estar sujeita, não só à revisão do nosso Estatuto
Politico - Administrativo, mas também à revisão da Lei eleitoral, que não depende
de nós, mas sim do Governo Central, celebro o facto de começar a haver partidos
que finalmente percebem que a democracia só funciona quando os cidadãos
participam activamente na vida politica.
No que diz respeito às listas abertas, e uma vez que
a ideia é que seja o eleitor, no dia das eleições, a ordenar os candidatos das
listas de acordo com a sua preferência, corremos o risco de aumentar ainda mais
as taxas de abstenção e o número de votos nulos. Imaginem-se numa cabine de
voto a ter que ordenar todos os candidatos de todos os partidos… Pois é, à
terceira escolha já desisti.
Para melhorar a democracia, aumentar a participação
cívica e diminuir as taxas de abstenção, porque não começar por implementar o
voto electrónico? Ou abrir ao debate público os assuntos que são fundamentais
para o desenvolvimento, progresso económico e protecção dos recursos da Região,
com orçamentos participativos, por exemplo.
Quanto à questão da organização administrativa, que
se centra exclusivamente na transformação dos Conselhos de Ilha em órgãos executivos,
a posição de todos os partidos ouvidos é contrária à do partido do Governo.
Vejamos, o Conselho de Ilha é um órgão consultivo composto
pelos Presidentes das Assembleias e das Câmaras Municipais, quatro membros eleitos
por cada Assembleia Municipal, três Presidentes de Junta de Freguesia, um
representante do Governo Regional e representantes do sector empresarial, de
movimentos sindicais, associações agrícolas e do sector das pescas, IPSS e da
Universidade. Todas as sensibilidades da sociedade civil estão representadas no
Conselho de Ilha.
Considerando as propostas apresentadas pelo
Presidente do Governo Regional, estes Conselhos de Ilha passariam a ser eleitos
e a ter competências executivas transferidas dos municípios das respectivas
ilhas e competências delegadas pelo Governo Regional.
Se se pretende que não haja um aumento de órgãos
políticos nem de burocracia institucional, será que a intenção desta proposta é
extinguir as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia?
Se a intenção é essa, julgo que este debate acaba
antes de começar, pois para isso teria que haver uma alteração completa do
actual panorama da administração local, com mais outra reforma, desta feita bem
mais profunda e arriscada, e não me parece que seja praticável.
Finalmente, o modelo constitucional da Autonomia,
todos são da opinião de que o cargo do Representante da República deve ser extinto,
entre outras razões, porque não é eleito, mas sim nomeado pelo Presidente da
República. No entanto defendem a necessidade de se esclarecer a quem devem ser atribuídos
os seus poderes. Por exemplo, o PSD defende a criação de um Presidente dos
Açores e o CDS-PP pergunta se esses poderes passarão para o Presidente da
Assembleia Legislativa Regional.
Gostaria de chamar a atenção para os poderes
do Representante da República. Muito resumidamente ele:
Nomeia
o Presidente do Governo Regional; Nomeia e exonera os membros do Governo
Regional; Assina e envia para publicação os Decretos Legislativos Regionais
(DLR); Exerce o direito de veto e pode pedir a fiscalização preventiva da
constitucionalidade de qualquer norma de DLR.
Sendo estes os poderes do Representante da República
e se temos um Presidente da República, eleito por sufrágio universal, que tem
os mesmos poderes a nível nacional, parece-me redundante esta duplicação de
funções e de figuras do Estado.
O debate sobre a revisão do Estatuto
Político-Administrativo da RAA ainda vai no adro, mas já fez correr alguma
tinta. É importante que se alargue a toda a sociedade civil e que quem quiser
participar, tenha verdadeiramente essa possibilidade. As sessões de
esclarecimento e de debate, que se devem realizar em todas as Ilhas do
Arquipélago, devem ser amplamente divulgadas, de modo a que haja uma
participação activa e construtiva, porque estamos a falar, essencialmente em
dois dos pontos, em questões que podem alterar, esperemos que positivamente, o funcionamento
da politica e a intervenção cívica de cada um de nós.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016
Um emprego digno como chave para a inclusão.
Os recentes resultados indicam para a última eleição
presidencial que abstenção no estrangeiro atingiu 95,5%.
Como causas apontam-se as usuais mas, certamente que a
burocracia não facilitará que um cidadão português no estrangeiro cumpra os seus
direitos de cidadania; aliás, todos conhecemos as dificuldades impostas pelos actuais
procedimentos administrativos em vigor para os residentes no país e que deveriam
ser motivadoras, sobretudo para os jovens que estudam fora da sua zona de residência
e eleitoral.
No entanto existem outros factores relevantes como a baixa
escolaridade e a pobreza, tantas vezes de mão dada e, que só por si condicionam
fortemente o interesse, a motivação e a disponibilidade para uma participação
cidadã. Ou, dito de outro modo: a pobreza exclui!
E, nos anos recentes, o aumento do número de indivíduos e/ou
famílias em condições de pobreza aumentou grandemente: no terceiro trimestre de
2015, existiam 14 978 pessoas desempregadas nos Açores e, mais de 300 mil
pessoas sem trabalho há mais de dois anos em todo o país. Também a
desregulamentação das relações de trabalho com a imediata fragilização do
empregado promovendo aquilo que classificamos como subemprego tem sido
crescente: e é muito interessante ouvir o argumento da direita de antes este
(subemprego) do que nenhum!
Mas o emprego como chave da inclusão terá de ser sempre digno
correspondendo às expectativas do desenvolvimento humano e social exigidas por
um país democrático e solidário.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
Contra a abstenção, a democracia participativa
Mais um ato
eleitoral, e novamente o vencedor de sempre: a abstenção. No país
da revolução dos cravos, a democracia ainda apresenta sintomas de
pouca saúde. No passado domingo, assistimos a uma abstenção
superior a 50%, tendo a abstenção nos Açores atingido o valor
inédito de 70%. Um tal desinteresse faz com que a legitimidade do
ato eleitoral fique em causa. É um facto matemático que o novo
Presidente da República não foi eleito por maioria absoluta dos
portugueses recenseados. Teve a maioria de votos no universo dos
votantes, ou seja, feitas as contas à abstenção, os votos que o
candidato eleito arrecadou (2,4 milhões) representam apenas um
quarto da população inscrita. É caso para dizer que quem não
vota, vota na verdade por omissão. Ou seja, não votar é dar força
ao partido/candidato mais votado.
Normalmente, são
várias as causas apontadas para justificar a abstenção: mortos que
ainda constam nos cadernos eleitorais, mas que por razões óbvias
não conseguem ir votar; emigrados que não conseguem vencer a enorme
barreira burocrática do recenseamento no estrangeiro; um sistema de
voto completamente ultrapassado, numa era já apelidada de “4ª
revolução industrial – a era digital”, em que um cidadão
ausente da sua área de residência, mas em território nacional, se
vê impedido de votar; eleitores apanhados pela propaganda que
promove a abstenção; e cidadãos genuinamente sem interesse. Mais
razões haverá, mas as que mais peso poderão ter são todas elas
solucionáveis.
A poucos meses de
outro ato eleitoral, desta vez as Legislativas Regionais da RA dos
Açores, será que algo irá ser feito? Na era da informatização,
será que custa assim tanto cruzar a base de dados das certidões de
óbito com os recenseamentos eleitorais? Será que mais uma vez
iremos assistir à propaganda do “isto está vencido, de nada serve
votar”? Num estado dito democrático, na verdade o povo tem pouco
ou nenhum poder além do voto. Será que nos podemos dar ao luxo de o
desperdiçar?
Fica desde já o
nosso compromisso em trabalhar para uma democracia sempre mais
participativa e acessível a todos, onde o poder seja realmente dos
cidadãos e não das máquinas partidárias e respetivos gabinetes de
propaganda. No Parlamento manda o povo, os assentos parlamentares não
estão sujeitos a privatizações. Por que razão não pode um cidadão livre e independente candidatar-se a deputado? Será que os partidos merecem a exclusividade do acesso à Assembleia Regional?
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